Na psicanálise, o recalque não é o recalque de uma coisa, é o recalque de uma verdade
- Mariany Gonçalves

- 13 de mar. de 2024
- 2 min de leitura

Durante a leitura do Seminário 4 de Jacques Lacan, lembrei de uma entrevista em que ele falou, dentre outras coisas, sobre recalque e inconsciente.
Para Lacan, o inconsciente é estruturado como uma linguagem, e isso quer dizer que ele possui uma lógica e leis próprias de funcionamento. Ele não é um reservatório de qualquer coisa primitiva, irracional ou animal, que precisou ser escondida nas profundezas do psiquismo de alguém. É uma linguagem criptografada por meio da qual a verdade, embora "escondida", insiste através de um sintoma, por exemplo.
Dizer que o inconsciente está estruturado como uma linguagem, e que tem sua criptografia própria, é dizer que o sujeito está integrado em um circuito lógico de discurso. Esse circuito é o discurso do Outro que, por vezes, implica sofrimento para o "falasser". Ainda que lidemos com o "sujeito lacaniano" - que se difere do indivíduo, para a psicanálise - quem sofre, de fato, é uma pessoa, um grupo, uma família etc, que está presa nesse circuito.
Segundo Lacan, a técnica analítica tem a chave para que essa linguagem possa ser lida, decifrada. O que não a torna o único meio, a meu ver, mas um meio eficaz de lidar com o sofrimento produzido a partir da linguagem.
"Na psicanálise, o recalque não é o recalque de uma coisa, é o recalque de uma verdade.
O que acontece quando você deseja recalcar uma verdade?(...) ela se expressa em outro lugar, em outro registro, em linguagem criptografada e clandestina.
(...) não podemos mais dizer naquele ponto qual sujeito está falando, mas que “isso” fala , que “aquilo” continua a falar; e o que acontece é decifrável inteiramente (...). É uma caligrafia perdida.
A verdade não foi aniquilada, não caiu no abismo. Ainda está lá, dada, presente, mas transformada em inconsciente. O sujeito que reprimiu a verdade não é mais o senhor, não está no centro de seu discurso; as coisas continuam a funcionar sozinhas e o discurso continua a se articular, mas “fora do sujeito”. E esse lugar, esse “fora do sujeito”, é exatamente o que chamamos de inconsciente.
Você pode ver que o que perdemos não é a verdade, mas a chave para a nova linguagem em que ela agora se expressa. É aí que intervém o psicanalista."
Jacques Lacan, 1957.



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